A história reconhece Yuri Gagarin como o primeiro homem a ter viajado para fora da Terra, mas há quem duvide. E há argumentos para tal. Como o programa espacial soviético era muito fechado e não publicava informações, existe uma corrente que acredita que Gagarin tenha sido o primeiro a pousar com sucesso, mas que, antes dele, cosmonautas tenham morrido em missões fracassadas.
Essa crença se baseia em supostas interceptações de sinais de rádio que teriam sido emitidos de naves tentando estabelecer contato com as bases soviéticas em terra.
Os irmãos italianos Achille e Giovanni Battista Judica Cordiglia providenciam um rico material nesse sentido. Nas décadas de 1950 e 1960, por hobby, tentaram interceptar sinais que vinham do espaço – não só os da União Soviética, como também os dos EUA – e possuem uma vasta coleção de gravações. A história deles é contada no documentário de TV “I pirati dello spazio” (Os piratas do espaço), 2007, uma produção conjunta de Itália e França.
Com uma antena de rádio montada no telhado do prédio em que moravam em Turim, e com os aparelhos para escuta no quarto de dormir, eles começaram a captar os sinais em outubro de 1957. “Fomos os primeiros na Europa a escutar o famoso bip-bip”, conta no filme Giovanni Battista, referindo-se ao Sputnik, primeiro satélite lançado pela URSS.
No mês seguinte, os soviéticos mandaram ao espaço a cadela Laika, primeiro ser vivo a fazer tal viagem. E os irmãos Judica Cordiglia contam que interceptaram sinais deste lançamento também. Achille era estudante de medicina e identificou os batimentos cardíacos do animal. Para ter certeza, eles acordaram o pai – que era médico e professor universitário – e auscultaram seu cachorro de estimação para comparar os sons, conta o filme.
Cosmonautas perdidos
O dia 28 de novembro de 1960 trouxe as gravações que servem como argumento mais forte contra a versão de que Gagarin foi o primeiro homem no espaço. O Observatório Radioastronômico de Bochum, na então Alemanha Ocidental, comunicou que havia recebido sinais diferentes dos que costumavam vir dos satélites soviéticos.
Os irmãos Judica Cordiglia também captaram aqueles sinais, e ouviram também uma mensagem de SOS em código Morse. Baseando-se no efeito Doppler, eles perceberam que a nave estava se afastando cada vez mais da Terra, em vez de seguir a órbita.
O sinal de rádio compreendia, mais uma vez, o que eles afirmam serem sinais de vida. Segundo Achille, era possível ouvir respiração e batimentos cardíacos. Ele tocou a fita para um professor, que identificou os mesmos sinais.
“Dois dias depois, mais uma vez, a União Soviética anuncia que pôs em órbita uma nave espacial, desta vez de 7,5 toneladas, e que ela se desintegrou. Estranha coincidência”, questiona Achille, no documentário. Moscou sempre negou que tivesse sido um voo tripulado.
O histórico voo de Gagarin também está nos documentos dos dois irmãos. No filme, eles mostram uma gravação feita na manhã de 12 de abril de 1961, que afirmam ser de conversas entre o cosmonauta e o comando da missão em terra.
As gravações mostradas de 23 de maio de 1961 são as mais assustadoras. Em russo, uma voz feminina diz que está com muito calor, que vê uma chama e pergunta se a nave vai se destruir, antes de o sinal ser interrompido.
Os irmãos alcançaram fama na Itália por conta das gravações. Tinham espaço na mídia nacional e conseguiram verba para montar uma antena maior, numa colina, local mais apropriado que o telhado da casa dos pais. Chegaram a fazer uma visita à Nasa, como prêmio obtido num programa de televisão.
Suas atividades chegaram ao fim em 1965. Em 7 de abril, a Rádio Moscou, veículo oficial do governo soviético, afirmou que as gravações eram falsas e desmentiram as informações de que poderia haver cosmonautas perdidos. Segundo os irmãos, as afirmações da rádio foram uma vingança e uma tentativa de silenciá-los, porque suas descobertas “incomodavam".
“Teoria da conspiração"
A saga dos irmãos Judica Cordiglia, no entanto, não convence a todos. O astrônomo brasileiro Ronaldo Rogério de Freitas Mourão não acredita que alguém tenha viajado ao espaço antes de Gagarin.
Ele não entra no mérito da autenticidade das gravações dos italianos, mas classifica como “teorias da conspiração” todas as versões que questionam o programa espacial soviético.
“Essas histórias caíram em descrédito após a queda da "cortina de ferro', muitos segredos do programa russo vieram à tona e nada sobre esse assunto [foi abordado]”, explica Mourão. “O programa russo contou com diversos fracassos que eles não esconderam”, acrescenta o astrônomo, justificando sua posição.
Mourão diz ainda que as tentativas de interceptar sinais de rádio não eram somente por curiosidade, nem eram feitas somente na Europa. “Havia muita escuta, existia o interesse norte-americano em desestabilizar a União Soviética e esse tipo de informação não passaria despercebida”, acredita o astrônomo, que é taxativo: “Se houvesse alguém antes de Gagarin, nós teríamos o conhecimento”.
Tadeu Meniconi* Do G1, em São Paulo