terça-feira, 7 de julho de 2009

DIGA NÃO AO CHUTE NO ENEM 2009


Folha Online, 23/06/2009 - São Paulo SP
Quem chutar no Enem terá pontuação menor, adverte Ministério da Educação RICARDO GALLO da Folha de S.Paulo

O Ministério da Educação adverte: não adianta chutar no Enem. Será possível identificar, com base no padrão das respostas de cada candidato, quem acertou aleatoriamente uma determinada questão. Mais: no cálculo da nota, o peso atribuído ao acerto do "chutador" será inferior ao dos que responderam de modo correto por dominar o tema. O sistema antichute é uma das características da TRI (Teoria de Resposta ao Item), adotada no novo Enem. Criado para substituir o vestibular nas universidades federais, o exame ocorre em 3 e 4 de outubro. Com a TRI, as perguntas são "inteligentes" --sabe-se o perfil de quem acerta com maior probabilidade as mais fáceis, as intermediárias e as difíceis. Isso ocorre graças a um banco com milhares de respostas de alunos que atualmente testam as questões do Enem. Além de estabelecer padrões de resposta, o teste também seleciona quais serão as 180 questões que comporão o Enem. Participam dessa etapa estudantes do segundo ano do ensino médio e universitários primeiranistas. Os alunos do terceiro ano do ensino médio, público-alvo do Enem, ficaram de fora --para não terem acesso a uma pergunta que possam encontrar no exame. É o padrão das milhares de respostas que revela o chute. Estatisticamente, quem erra questões mais fáceis não acerta as difíceis. Do mesmo modo, os que acertam as mais complexas não erram nas simples. "É assim que a TRI permite identificar prováveis chutes na hora de calcular a nota do estudante", diz Heliton Tavares, diretor de Avaliação da Educação Básica do Inep (órgão do MEC responsável pelo Enem). O segredo: coerência - Com um mecanismo que detecta respostas fora do padrão, qual o segredo para ir bem em uma prova como a do Enem? Ter um índice de acertos equilibrado e "coerente", diz Tadeu da Ponte, coordenador do vestibular do Insper (ex-Ibmec-SP). A instituição adotou pela primeira vez a TRI no vestibular de 31 de maio. A vantagem, segundo ele: maior precisão para escolher candidatos --e um vestibular com um número menor de perguntas. Acertos - Também em razão da TRI, a prova do Enem não será avaliada pelo percentual de acertos, como em um vestibular convencional. Embora também leve em conta quem acerta mais, o exame atribui um peso a cada
pergunta ou grupo delas --assim, responder de modo correto oito em dez questões não representa 80% na nota final. Tavares usa o esporte para comparar os dois mecanismos: o vestibular clássico é o futebol, em que fazer gol vale um; o Enem, o basquete --em que é possível, a depender da distância, fazer dois ou três pontos. O resultado será específico para cada tema (português, matemática, ciências da natureza e ciências humanas). Não haverá nota, mas sim uma pontuação que, em uma escala, definirá o grau de habilidades e conhecimentos do aluno. O mais provável é que a escala vá de 100 a 500 pontos, diz o Inep. Sobre a divisão de questões, diz o diretor do Inep, é provável que o exame tenha 25% de fáceis, 50% de intermediárias e 25% de difíceis. Há necessidade de perguntas mais simples porque o Enem não será usado apenas como vestibular das federais. Servirá também para avaliar o conhecimento dos alunos que deixam o ensino médio, para aqueles que fizeram o antigo supletivo e para quem quer entrar no ProUni -programa que dá bolsas para alunos de baixa renda em universidades particulares.

Ensino médio de cara nova a partir de 2010

Metade dos estudantes que ingressam no ensino médio brasileiro não concluem os estudos. A cada ano, a média de jovens que abandonam uma das etapas da última fase da educação básica chega aos 20%, segundo dados do Ministério da Educação (MEC). Aliada às altas taxas de evasão, o déficit de 300 mil professores nas salas de aula amplia os números do descaso. Para especialistas, o quadro se agrava pelo reducionismo do modelo de ensino, onde alunos viram clientes durante a disputa por uma vaga na universidade.
Na tentativa de reverter a situação, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou, na última terça-feira, o novo currículo e projeto pedagógico para o ensino médio brasileiro. O documento, que há 12 anos vem sendo debatido no governo federal, aposta em orientações básicas para frear o declínio do ensino de jovens. São elas: aumento de horas aulas, autonomia na escolha de disciplinas, incremento nas atividades de leitura e laboratório, reforço nas atividades culturais e professores em tempo integral. A proposta busca tornar o sistema mais participativo e terá 100 escolas públicas como piloto a partir de 2010. O investimento inicial é de R$ 100 milhões.
Hoje existem 24 mil escolas de ensino médio no Brasil, das quais 17 mil são públicas. Nas carteiras dessas instituições encontram-se aproximadamente 10 milhões de estudantes, o equivalente à população do Rio Grande do Sul. Caso a proposta do MEC saia da teoria para a prática, a vida desses alunos vai mudar significativamente. Segundo especialistas, para melhor.
O coordenador do ensino médio da Secretaria de Educação Básica do MEC, Carlos Artexes, explica que as principais mudanças giram em torno de uma maior autonomia das escolas para a formulação do projeto pedagógico. “Queremos valorizar a singularidade de cada unidade e, por meio disso, estimular o protagonismo dos alunos”, comentou. Carlos se refere à proposta de que cada estudante escolha 20% das disciplinas oferecidas. “Incentivaremos a cultura e a literatura. O ensino deve ser mais atraente”, completou.
Outra ação para conter os índices de evasão escolar diz respeito à substituição do atual currículo – fechado em disciplinas fragmentadas – na organização do conhecimento em quatro grandes eixos: trabalho, ciência, tecnologia e cultura. “Queremos estimular a interdisciplinaridade, aproximar o conteúdo visto em sala do cotidiano”, afirmou Artexes. O coordenador ressalta que a mudança não representa o fim das disciplinas. “As aulas vão continuar, mas haverá mais articulação entre elas”, ressaltou. Para o especialista em Educação Básica e professor da Universidade de Brasília, Remi Castioni, a proposta valoriza a formação cidadã e humana dos alunos. “O atual sistema, em vigor há mais de uma década, é inadequado. Hoje, o objetivo do ensino médio é que o aluno passe no vestibular para gerar propaganda para escola”, observou. Ele explica que a flexibilização do currículo é uma tendência mundial. “No Brasil somos reféns de um único modelo. Na França, por exemplo, são 18, o que amplia as possibilidades de formação técnica e a entrada no mercado de trabalho”, comentou.

NA PRÁTICA - O coordenador de ensino médio do MEC, Carlos Artexes, explica que o novo currículo será implantado aos poucos. A responsabilidade por levar a proposta às escolas será das secretarias de educação estaduais. “Faremos contato com as unidades para divulgar a proposta. Conforme a aceitação, podemos rever o orçamento para incentivar a mudança”, comentou. Ele explica que algumas escolas já seguem as orientações, previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996 e na Resolução CEB nº 3, de 1998.
Segundo a Secretaria de Educação do Distrito Federal, boa parte das escolas que estão próximas ao novo modelo ficam na capital do país. “Desde 2000 ampliamos a carga horária para 3 mil horas/aula e implantamos a sociologia e a filosofia no currículo. Investimos na formação cidadã, mas sem perder a capacitação profissional”, observou a gerente de ensino médio, Julia Gama. O Centro de Ensino Setor Oeste, primeiro lugar entre as escolas públicas do DF no último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), é uma delas.
Aluno do 2º ano, Pablo Oliveira aprova a mudança. “Creio que é um bom caminho. Começamos a ter mais aulas práticas e já percebemos a interdisciplinaridade, mas ainda falta muito”, observou ele, que não perdeu a oportunidade de reclamar os laboratórios desativados por falta de professores. Para o diretor do Setor Oeste, Julio Gregório, a proposta só vai funcionar se as escolas tiverem autonomia. “Não se deve forçar a mesma grade para todos. Cada escola conhece a realidade que tem e como aproveita-la melhor”, concluiu.